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Se o Ágil ainda não é uma realidade, o RH pode ter a resposta

Transformação Ágil: o que é? Como faz? Será que funciona? Embora o manifesto para desenvolvimento ágil de software (ou apenas manifesto ágil) esteja prestes a completar 20 anos, o “Ágil” ainda não é uma realidade na maioria das empresas, apesar de ser tratado como a bola da vez, moda ou até mesmo como a salvação na era Covid.
É fato que empresas que adotam ou nascem seguindo o modelo em sua essência se destacam inclusive pelas entregas frequentes, em ciclos curtos, escutando feedback constantemente e melhorando o serviço ou produto. Mas estes são resultados obtidos justamente por esta “essência” desconhecida ou mal compreendida pelo mercado. E por estes motivos a transformação ágil na maioria das empresas falha.
Afinal, transformação ágil é mudança de cultura, mudança comportamental, enquanto o ágil por sua vez é sobre pessoas, e não métodos ou processos. Estas são apenas ferramentas que auxiliam pessoas a atuar de forma performática e adotar novos comportamentos assim como uma nova forma de pensar, de se relacionar, de desenvolver e de se desenvolver enquanto profissional. Portanto, se estamos falando de pessoas, de comportamentos, mudança de mentalidade e mudança cultural, por qual motivo esta transformação insiste em ocorrer inicialmente na TI e pela TI em um ambiente empresarial? Ou pior — como na maioria das vezes -, desconsiderando o RH?!
As ferramentas que fazem parte da cultura ágil surgiram (mesmo antes da prática do termo) como resposta a uma crise. Na década de 90 o modelo de trabalho da TI estava pautado principalmente na indústria fordista (modelo pensado e desenvolvido na era industrial), e como se sabe, este modelo influenciou e influencia até hoje as organizações.

Foi olhando para o Lean da Toyota que alguns profissionais daquela época resolveram criar as ferramentas que hoje o mercado intitula “métodos ágeis” e posteriormente um manifesto com quatro valores que destacam sempre as pessoas, antes de qualquer processo, burocracia, negócio a qualquer custo e rigidez no trabalho.

Tivemos até mesmo um novo modelo de gestão de pessoas, o Management 3.0, apresentado ao mercado em resposta ao conflito que a cadeia de comando e controle estava travando com as equipas que necessitavam de autonomia e autogerenciamento para desenvolvimento de seus produtos.

É justamente neste momento que o RH faz toda a diferença. Afinal, o desafio não é só das equipas que agora atuam com novos ritos, cerimoniais, artefatos e papéis, mas dos líderes que necessitarão de apoio para gerir e liderar, e até mesmo poder direcionar sob o novo paradigma de trabalho. Estamos na era da economia criativa, não mais na era industrial.

Dependendo da ferramenta definida, a transformação pode ocorrer de forma evolutiva ou revolucionária — e aqui vai uma provocação: se o primeiro valor do manifesto ágil é “indivíduos e interações mais que processos e ferramentas”, por qual motivo se inicia uma transformação já definindo um determinado método ou framework?

Tanto líderes quanto liderados estão preparados para isso? Não seria melhor ter o apoio de uma área que tem por vocação o cuidado com as pessoas e suas interações? O ganho de se ter o RH envolvido e dando suporte em uma transformação cultural não é apenas para a TI, mas também para o próprio RH, assim como para a empresa como um todo.

Por mais que a área que esteja passando pela transformação seja independente e faça suas próprias contratações, como fica o RH na questão de entender a diferença de papéis e cargos, ou com relação ao controle de horas, avaliação de desempenho onde as lideranças nas equipas não correspondem ao organograma, entre outras tantas disfunções que podem impedir o RH de atuar como deveria na empresa, criando uma barreira ainda maior entre as áreas.

Se a TI estivesse preparada para lidar com pessoas e tivesse feito isso bem, ao longo dos anos, não teríamos tantos casos de estresse, burnout, depressão e outras patologias, sejam elas psicológicas e emocionais ou até mesmo físicas. Assim como os valores expressos no manifesto não seriam interpretados de forma invertida, dando prioridade aos processos mais que os indivíduos, e equivocado quanto ao termo, exigindo cada vez mais performance dos equipas a todo custo.

Pouco tempo após o manifesto, o mercado reagiu criando um verdadeiro complexo industrial ágil, que é até hoje alimentado por departamentos e áreas que, pela falta de conhecimento, definem critérios que vão na contramão da cultura ágil. E isso gera um ciclo vicioso entre profissionais que buscam oportunidades, o mercado em si e as empresas que, pela necessidade de se destacar ou tão simplesmente de não ficar para trás, recorrem a empresas que vendem o ágil enquanto produto.

Este sistema todo e a inversão dos valores ágeis se tornou o que se chama de “falso ágil”, mas apesar dos malefícios disso, não se deve generalizar nem responsabilizar as empresas que tentaram suprir essa demanda do mercado. A TI tentou atuar como sempre atuou, de forma lógica, e agora, com o que tinha nas mãos: um novo modelo que exigia uma quebra de paradigma em todos os aspectos informados anteriormente. Sendo o ágil baseado no empirismo, ou seja, na experimentação, por que não fazer diferente hoje e aprender com os erros já vividos e reconhecidos pelo mercado? Por onde o ágil passa, este ciclo tem acontecido, então por que não evitar a etapa do entendimento equivocado quanto à essência da agilidade? Por que não experimentar uma transformação feita entre as áreas de TI (ou onde quer que o ágil esteja emergindo em sua empresa) e o RH?

Não se trata de transformar o RH em ágil do dia para noite, de falar de processos e tudo mais. Pelo contrário, é seguir conforme o primeiro valor do manifesto e tratar primeiramente das pessoas e de suas interações independente do modelo ou cultura da empresa. Um RH que possui o conhecimento quanto ao ágil, apesar de não funcionar sob o modelo ou utilizando de alguma ferramenta, poderá compreender e auxiliar gestores e líderes, assim como a área que estiver aderindo ao novo modelo, justamente na quebra de paradigma, na adoção desta nova cultura. O RH poderá, facilitar a formação de equipas desde a contratação até a manutenção deles, benefício não só para empresa mas também para o mercado, que por sua vez irá se deparar com vagas que realmente fazem sentido, preparando melhor os candidatos que buscam oportunidades junto à área e experiência no modelo. E uma vez entendendo e auxiliando no apoio à transformação ágil, qual o impeditivo de se tornar um RH ágil? Na verdade, será um caminho bem mais fácil e fazendo jus ao que foi descrito há 20 anos enquanto “valores”.

Do contrário, há a realidade da maioria das empresas: gestor abre a vaga e passa o perfil para o RH (quando não pede para abrir simplesmente esperando que o RH monte o perfil), que busca os profissionais no mercado (diretamente ou através de hunting). Na maioria das vezes o descritivo da vaga tem mais a ver com as funções de um líder técnico ou gerente de projetos com conhecimento e experiência ou simples vivência com ágil (utilizando termos e jargões que muitas vezes não deveriam nem existir). Até que chega a entrevista e não se sabe exatamente como se avaliar um candidato para um determinado papel, ou com os skills necessários. E é esta saída (descritivo da vaga e entrevistas) que acaba demandado e formatando o mercado. Os profissionais, por sua vez, se adaptam, e aí está feito o ciclo vicioso.

Uma vez que se entende isto, que se possui um mindset ágil, há por exemplo a compreensão de que cargo é uma coisa e papel é outra, e a partir do momento que a vaga vai para o mercado de uma forma diferente (correta) e que na hora da entrevista é estabelecido o perfil correto para contratação, você gera um mercado que não usa jargões ou terminologias erradas, ou que só esteja à procura de uma sopa de letrinhas, mas sim da qualidade nos profissionais.

Infelizmente, grandes empresas que se dizem ágeis na verdade possuem uma TI ainda em transformação, seguindo o caminho equivocado independente do fluxo de contratação. Logo, chegou a hora de nós do RH deixarmos de ser uma área de serviço e verdadeiramente assumir uma posição estratégica, colocando as pessoas no foco e não mais processos e sistemas.

Por Andre Bocater Szeneszi e Jorge Luis S. Marcondes | Co-Founder wBrain e ex-especialista wBrain

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